Sobre as dificuldades na aprendizagem…

©Mª Dulce Miguens Gonçalves Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Lisboa

Numa perspectiva de senso comum, só alguns alunos têm dificuldades na aprendizagem. Para todos os outros, a grande maioria, tudo decorre normalmente, sem problemas nem sobressaltos. Esta forma de descrever as dificuldades na aprendizagem (pensar que “uns têm e outros não”) está, infelizmente, muito difundida na nossa sociedade. E nesta perspectiva, nenhum pai deseja saber que o filho está a passar por dificuldades ou precisa de ajuda. “Estará doente, atrasado, traumatizado? Por culpa de quem? E porquê o meu filho?” Sucedem-se os rótulos, as dúvidas, as ansiedades: “Será deficiente? O que fizemos de errado? O que vai acontecer?”

Sentir e ultrapassar dificuldades. ..

São assim a maior parte dos processos de descoberta e pesquisa científica. São assim as verdadeiras aprendizagens, aquelas que ficam para a vida, que nos mudam como pessoas e nos fazem crescer. São aprendizagens que promovem o desenvolvimento intelectual, ético, emocional. E sobretudo nestas aprendizagens, a dificuldade é parte integrante do processo. Pode haver momentos de “insight” (descoberta por uma intuição súbita - “eureka!”). Mas mesmo isso, surge muitas vezes depois de muita reflexão, de muitas tentativas e erros. Compreender, e sobretudo compreender o que numa ideia é essencial (aquilo que permite usá-la e relacioná-la com outras ideias), pode ser causa de muitas dificuldades... porque há dificuldades que são a matéria prima da própria aprendizagem. A forma como aprendemos, o que conseguimos aprender (ou não) depende em grande parte do que pensamos e sentimos em relação a nós próprios e ao nosso futuro. Mas além disso, depende muito da forma como concebemos a aprendizagem e de algumas certezas absolutas que tanto influenciam o nosso comportamento.

A dificuldade de definir “dificuldades…”

Nalguns países, a definição de dificuldade na aprendizagem é tão diferente e imprecisa que, se uma criança muda de região ou de estado, pode passar a ser avaliada de acordo com critérios diferentes, isto é, pode passar a ser classificada de forma diferente. Em Portugal, em função dos critérios de avaliação e diagnóstico definidos para uma escola ou turma, uma criança pode deixar de “ter” (ou passar a “ter”) um distúrbio ou uma dificuldade na aprendizagem. Em Portugal não existe nenhum sistema de avaliação e classificação oficial de Dificuldades na Aprendizagem, preferindo-se a designação necessidades educativas especiais.

Mas, até certo ponto, porque todos somos diferentes, todos temos necessidades educativas específicas:

As necessidades de aprendizagem de cada aluno variam em função das matérias, das disciplinas, das situações e emoções do momento. Por isso, a questão nunca deve ser colocada de uma forma demasiado simples e redutora.

As dificuldades não são uma característica do aluno, caracterizam a forma como o aluno se está a relacionar com uma situação de aprendizagem.

O que podem fazer os pais?

Todos os alunos têm direito a um vasto conjunto de medidas pedagógicas e psicológicas que os ajudem a desenvolver a sua aprendizagem da melhor forma possível. Quando o aluno, os pais ou os professores estão insatisfeitos com a qualidade da aprendizagem (com os resultados escolares, com a capacidade de utilização dos conhecimentos adquiridos, com o seu contributo para o projecto de vida do aluno) é preciso parar para pensar, observar e descrever objectivamente a situação.

Este tipo de análise é normalmente realizado no contexto escolar, por vezes em colaboração com os pais. Os pais podem ser convocados pelo director de turma para tomarem conhecimento ou para darem o seu parecer sobre algumas medidas de apoio.

Os objectivos de um contacto com a escola:

Prevenção de factores de risco.

As dificuldades na aprendizagem podem surgir em qualquer situação, idade ou momento do seu percurso escolar. Aprender exige esforço, persistência, coloca sempre dificuldades. Algumas tarefas escolares são repetitivas, rotinas que requerem motivação e persistência. Outras surgem com um grau de dificuldade crescente, exigindo uma constante evolução do aluno.

Perante um obstáculo, um erro ou um insucesso, os alunos reagem de diferentes modos: Alguns sentem maior empenho e insistem, por brio ou teimosia. Outros ficam aflitos, tendem a culpabilizar-se, sentem-se tristes, impotentes, e acabam por desistir. Alguns estão sempre a pedir ajuda, outros nem reparam que o problema existe.

Algumas destas formas de reagir, aumentam a motivação e conduzem a um melhor desempenho. Outras, pelo contrário, são prejudiciais, geram apatia e diminuem a qualidade do desempenho. Se surgirem de uma forma persistente, estes “hábitos mentais” aumentam o risco de insucesso, depressão e ansiedade. Um “hábito mental” é uma tendência pessoal para pensar e reagir de uma determinada maneira.

A forma como o aluno reage perante situações de dificuldade, pode determinar de forma significativa o seu nível de sucesso, de realização e desenvolvimento pessoal.
O risco de dificuldades na aprendizagem é maior quando nos habituamos a sentir e a reagir de determinadas maneiras. Isto é, algumas atitudes e tendências pessoais são mais positivas e funcionais do que outras.

As dificuldades ajudam a aprender?

Acreditar que aprender é fácil, esperar que seja, surprender-se quando surgem dificuldades, insucessos, problemas, isso sim pode ser uma enorme dificuldade. Pensar desta forma fomenta a auto-indulgência e a passsividade do aluno. Pode diminuir muito a sua probabilidade de sucesso, porque diminui a sua capacidade de reagir e de enfrentar os problemas.

A aprendizagem, como a vida, é feita de problemas.

Acreditar que os problemas são obstáculos inesperados, injustos e insuportáveis é irrealista e pouco funcional. Ao contrário, acreditar que as dificuldades fazem parte do processo, que são desafios ou mesmo oportunidades pode ter um efeito mobilizador e resultados mais positivos.

Nenhum aluno está imune a dificuldades na aprendizagem. Mas quando elas surgem, a forma como o aluno reage é determinante. Uma atitude preventiva não pode eliminar todos os riscos, mas pode fortalecer os chamados factores de protecção. Quando as dificuldades surgirem, os seus efeitos serão menos graves, menos persitentes, menos prejudiciais. Muitos alunos são capazes de resolver, de ultrapassar a maior parte das suas dificuldades. Outros podem aprender a fazê-lo: com a ajuda dos pais, dos professores. Ou com a ajuda especializada de um Psicólogo da Educação, através de programas de treino individual ou em grupo. Objectivo: desenvolver atitudes e tendências pessoais mais facilitadoras do sucesso, aprender hábitos e métodos de estudo mais eficazes.